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segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Pesquisador ou “Araponga” – os limites da ética antropológica

A responsabilidade de um pesquisador que atua junto à coletividade precisa ser pautada por um processo de conduta ética e divulgação sincera sobre seus encaminhamentos de estudo no trato da abordagem com as comunidades e seus indivíduos. Com maior cuidado deveria ainda, nos encaminhamentos de conflitos por divergências de posições dos agentes sociais envolvidos, exercer a neutralidade necessária e ética, procedimento irrevogável a um pesquisador.
Usar o coletivo ou o indivíduo de uma comunidade sem fornecer claras informações dos objetivos do estudo que promove, principalmente para um antropólogo, é revogar a legitimidade da pesquisa; é criar ou perpetuar paradigmas de velhas formulações acadêmicas para as justificativas de sempre, pautadas em velhos preconceitos.
No Brasil as mudanças significativas ocorrem sempre a passos lentos e muito curtos, e diretamente os resultados não alteraram em valor os percentuais e volumes dos índices negativos humanos, econômicos e sociais, principalmente aos herdeiros que historicamente foram explorados pelo modelo escravista.
Por isso, nós do quilombo Pedra do Sal somos favoráveis às cotas. Incoerente seria não sermos! Somos a favor dos mecanismos de entrada diferenciada nas searas privilegiadas do Estado e da Sociedade daqueles a quem historicamente os modelos adotados pelas elites impuseram a exclusão.
Os herdeiros desses modelos, promotores da imobilidade, que nos deixaram de herança frases como “façamos a revolução antes que o povo a faça” e “questão social é caso de polícia” sofisticaram a manutenção dessa ferramenta da imobilidade.
Nas universidades públicas, onde os filhos das elites (de herança do velho status oligárquico ou burguês) ainda são maioria, esses paradigmas são reproduzidos; segundo os “guardiões” de um pensamento conservador, qualquer alternativa quantitativa de acesso dos mais pobres e excluídos historicamente é rejeitada, julgando que o qualitativo seria depreciado.
Não nos enganamos: as elites brasileiras perversamente nos vendem como coletivo para terem como indivíduos o eterno lugar ao sol. Seus discursos ao longo da história são renovadores para essa manutenção do status. Quando temos discernimento, nos são reveladores e assustadores o caos que presenciamos. Aí caímos em nós e acreditamos ter algo de fato a combater!
Num de seus artigos para o jornal O Globo e Estado de São Paulo, no ano de 2007, o filósofo Denis Lerrer Rosenfield, disse que nós quilombolas da Pedra do Sal “éramos mais nocivos à comunidade portuária do Morro da Conceição que os traficantes de droga da região”. Isso está registrado! Esse mesmo filósofo da UFRG, acadêmico de renome, é por vezes citado por seus pares em posição de argumentos que nos agride. Legitimado pelos seus, disse essa bobagem e ficou impune. Ele deferiu seu rancor conservadorista a trabalhadores e cidadãos de bem (no coletivo da comunidade organizada da Pedra do Sal não tem bandido).
É essa elite que não quer ver preto na universidade pública e nem quilombos titulados, e que com certeza parabeniza esse fascista. Para racistas somos racistas. Não estamos aqui para darmos a outra face. E também não acreditamos no “Franciscanismo abnegado” para mídia, desses “bons samaritanos”!
Neste momento, nós quilombolas da Pedra do Sal estamos diante de uma propaganda negativa a respeito de nossa identidade. Ela é silenciosa e perversa e já vem se desenrolando há algum tempo nos porões de uma militância cultural na região, que tem por interesse a posse do projeto de revitalização da área portuária. Falam de um tal de “Porto Cultural”, não seria um oPortunismo cultural? Eles se mobilizam na construção de evento “na Pedra do Sal”, espaço de afirmação de nossa identidade, como se nós não existíssemos; usam da nossa identidade, mas negam nossa existência e militância. Usam do poder econômico, que nós não temos, e uma relação de subserviência com o poder público no interesse de manutenção de verba, mesmo contra interesses das comunidades que na região existem.
Essas instituições “filantrópicas” são mantidas pelo erário público, detentores de projetos pela inclusão que mais parecem saídos do filme “Quanto vale ou é por quilo?” Vejam quantos empresários da miséria existem nesses projetos?... galinha dos ovos de ouro!
Nosso reconhecimento por comunidade de quilombo urbano é considerado, pelos que nos acusam de aproveitadores, uma irresponsabilidade da Fundação Cultural Palmares. Foi expresso oficialmente pela FCP que não houve ilegalidade na formulação desse procedimento de certificação da Comunidade Pedra do Sal. Isto é fato. Mas somos combativos e sabemos usar os mecanismos políticos e jurídicos como deve ser princípio de todo e qualquer cidadão bem formado e informado. Nos acusam por isso. Obrigado.
Nos querem submetidos e omissos. Essa é a melhor forma de nos dominar. Como eles conseguem pôr na boca de alguns que por aqui moram (e se constituíram alienados ao seu espaço e cultura) o que bem entendem, dizem que somos isolados. Não somos isolados. Somos, sim, combatidos por essa manipulação daqueles que têm poder de mídia e poder econômico na região. O silêncio nos é arma e estratégia. Já esclarece o ditado “quem fala demais...”
No 32° Encontro Anual da ANPOCS, no Grupo de Trabalho de número 1 (GT1) uma doutoranda de antropologia da UFRJ nos abordou como tema, e disse estar utilizando como objeto de pesquisa o “aparecimento” do quilombo Pedra do Sal. Criticou o relatório histórico antropológico feito por pesquisadores da UFF, por demanda administrativa do INCRA. Sobre isso não nos compete falar. Essa  competência de discussão do relatório é das pesquisadoras da UFF e do próprio INCRA que as contratou por demanda do processo de titulação. Nós, comunidade, já prestamos nosso papel: quando solicitadas entrevistas e amostras da comunidade, nos pusemos à disposição.
Entretanto, para nós, quilombolas da Pedra do Sal, foi leviana a postura dessa doutoranda em antropologia da UFRJ, pois nos usou como tema sem nos consultar e divulgou, sem nosso conhecimento prévio, dúvidas sobre nossa identidade quilombola, citando-nos de forma pejorativa: “por evasivo e liderança - que ela não identificou – sem nome e sem identidade profissional e cidadã”. Como se fossemos marginais!
Não há uma citação ao nome da liderança quilombola, mais expressiva da região, o Portuário Damião Braga, em seu texto apresentado nesse encontro; porém, ao coordenador da VOT são dados nome, sobrenome e nacionalidade – pois chefe se trata com respeito!
Foi assim também nos autos do processo que motivou nossa veemente divergência com a VOT a partir de 2004. Essa instituição religiosa franciscana e seus representantes, mesmo tendo conhecimento do nome do portuário quilombola Damião Braga, se dirigia a sua pessoa, em seus argumentos processuais, pelo pejorativo “Damião de Tal”. E o pior é que a Justiça do Estado do Rio de Janeiro não questionou o fato. A identidade étnica afrodescendente do Portuário Damião Braga, foi arrolada por argumento seu ao processo reintegração de posse em que era réu contra a VOT, ao denunciar preconceitos históricos secular na região, mas mesmo assim a disposição pejorativa a direção de sua pessoa nunca foi argumento particularizado no processo por falta grave, mesmo pelo MPF de forma veemente. Ainda esperamos essa retratação!
Caso soubéssemos e tivéssemos consciência da pesquisa da doutoranda em Antropologia poderíamos até rever situações de apresentação de nossas falas (apesar do momento delicado provocado pelos ataques que sofremos em 2007 pelos representantes e contratados da VOT em suas instalações escolares na região, acusando-nos para o povo local de que queríamos acabar com elas – as escolas), não por obrigação, mas por gentileza, caso fossemos devida e francamente abordados.
Mas o que ocorreu foi uma aproximação dissimulada, por parte da doutoranda em Antropologia. Sua postura foi tão leviana, que só soubemos de sua proposta de pesquisa vasculhando a Internet. Em nenhum momento ela se propôs dizer o que de fato fazia quando aprecia esporadicamente aos nossos olhos. O velho S N I fez escola na academia.
Essa pesquisadora presta serviços à Revista Batucada Brasileira – instituição do IBB, patrocinado pela Petrobras e de posição contrária ao quilombo Pedra do Sal. Esta instituição, que adotamos recíproca indiferença, recebeu o Presidente da FCP, Sr Zulu Araújo (gestor público de responsabilidade na preservação de patrimônio e nossas matrizes afrodescendente / gestor da instituição que nos reconhece) nesse primeiro semestre de 2009, para pedir parceria num projeto de revitalização arquitetônica em nome do Afoxé Filhos de Gandhi da Cidade do Rio de Janeiro (que não é, como deveria ser, o proponente desse pedido). Por que não o Gandhi, na sua legitimidade cultural não é o agente ativo de suas demandas? Por que essa transferência?
Essa doutoranda já foi vista na região acompanhando atividades realizadas para VOT, quando disse a terceiros ser apenas amiga de um contratado da instituição (achamos que um fotógrafo). A nossa primeira fala foi da necessidade de neutralidade do pesquisador; depois da dissimulação, que depõe contra a legitimidade de conduta do pesquisador e condução da pesquisa! O recado foi dado. Como não fomos nominalmente citados pela pesquisadora estamos devolvendo na mesma moeda sua indelicadeza, não lhe citando o nome e nem sobrenome. Que fique bem claro e público, com essa não queremos conversa!
Não temos mais o que discutir! Falem o que quiserem. Responderemos com Luta!


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